Marcello Serpa é o profissional de criação há mais tempo no comando de uma agência listada entre as 20 maiores do País, conforme levantamento de Meio & Mensagem.
“As pessoas não se preocupam mais em criar algo brilhante e inteligente, pois isso poderá ser destruído num focus group, numa quali. E aí, os sobreviventes não são os virtuosos, mas os que não provocam uma reação”
Nesta quinta-feira, 27 de agosto, Marcello Serpa e seu sócio desde 1993, José Luiz Madeira, anunciam a saída da dupla da agência que comandam há 22 anos.
Em abril deste ano, na edição especial de aniversário do Meio & Mensagem, Serpa participou da Entrevista Coletiva, respondendo a perguntas feitas por 20 profissionais convidados pela redação.
Na íntegra, reproduzida abaixo, ele divide um pouco de sua vida pessoal e publicitária que têm, de um lado, a estética funcional da escola alemã Bauhaus, e, de outro, o colorido impactante da herança cultural pernambucana.Ambas se encontram na formação do até então sócio e copresidente do board da AlmapBBDO. Uma mistura que ajudou a construir a agência mais premiada da história recente da publicidade brasileira. A razão e a intuição, o planejamento e a criação, o erudito e o popular — juntos, esses ingredientes revelaram ao mundo um portfólio invejável. A precisão do “Double check” da Volkswagen e a explosão dos anúncios de Havaianas, entre tantos outros trabalhos memoráveis.
Donald Gunn, fundador do Gunn Report — Acredito que muita gente estaria interessada em te ouvir sobre o seguinte: o que há de comum em fazer uma boa agência, um bom time de futebol, um bom país e uma boa pessoa, se é que há algo em comum?
Marcello Serpa — Um bom país e uma boa pessoa andam juntos, e um bom time de futebol e uma boa agência andam juntos. Não sei se dá para juntar os quatro. No caso da agência e do time, é o antigo clichê de todo mundo trabalhando junto. Mas, há muito tempo, eu tive uma reunião com um diretor de marketing de uma multinacional que queria baixar os custos da agência, especialmente controlando os salários das pessoas que trabalhavam com aquela conta. Eu disse a ele: “se você fosse administrar o Barcelona com esse raciocínio, e resolvesse economizar no salário dos jogadores, o tempo todo pensando em custo-benefício, em dois anos colocaria o time na segunda divisão”. Propaganda e futebol têm, de certa maneira, muito a ver com ter os melhores talentos. E melhores talentos custam dinheiro. Pessoas que pensam coisas novas, diferentes, contam histórias que o público não conhece, custam dinheiro. E, muitas vezes, a propaganda é colocada pelos clientes dentro da planilha do parafuso, que não leva em conta que talento não se produz, não se aprende, não se forma e é difícil de achar. Já países e pessoas se formam por meio de valores. Todos nós gostaríamos que nossos filhos tivessem valores fortes, fossem corretos, honestos, empreendedores, inteligentes. E um país que não é honesto, empreendedor e inteligente está fadado ao fracasso.
Herlander Zola, diretor de marketing da Audi, cliente da AlmapBBDO — Montar uma equipe criativa de primeiro nível é um grande desafio, e manter essa equipe com o mesmo nível criativo ao longo do tempo é ainda mais difícil, principalmente num cenário onde a retenção de talentos é complexa, o mundo digital muda o hábito dos consumidores e as novas gerações têm comportamento completamente diferente das anteriores. Qual é a sua fórmula para manter e garimpar novos talentos, e continuar gerando soluções criativas e eficientes para os seus clientes durante tanto tempo?
Serpa — Para montar uma equipe de criação, é preciso, primeiro, ser um bom criativo. Ninguém que seja muito bom vai trabalhar abaixo de alguém que ele não respeite. Para ser um bom diretor de criação, para tocar uma agência, tem de ter um portfólio que seja respeitado pelas pessoas que irá contratar. Elas precisam ter um mínimo de admiração pelo que você já fez para entender e seguir o seu critério. Outra coisa importante é que o diretor de criação e líder da agência contrate pessoas que sejam completamente diferentes. Não querer pessoas que fazem exatamente aquilo que você faz, mas que sejam complementares. É preciso ter a humildade de reconhecer o que você não sabe fazer tão bem e trazer pessoas que pensem de maneira abrangente, para se ter um time que seja o mais diverso possível. Esse caminho não é fácil, mas pelo menos a gente tenta já tem um tempo. Depois disso, é ter sempre em mente que as coisas estão mudando e a sua equipe também vai mudando, se adaptando, trazendo gente nova que faça coisas que as pessoas que estão aqui não sabem fazer, que sejam capazes de modificar o tempo todo a dinâmica da agência. E, no mercado de criação, é fundamental que se tenha um respeito profundo sobre duas coisas. A primeira é bem de publicitário, de criativo, que é o respeito pela ficha técnica, que significa respeitar a autoria e jamais colocar seu nome à frente do trabalho dos outros. O diretor de criação que coloca o nome dele à frente de todo e qualquer trabalho que aparece na agência está achatando os talentos que atuam com ele. Essa é uma prática comum no mundo todo. A outra coisa fundamental é ter uma agência que acredite que a melhor coisa que ela tem é o trabalho que produz. O time de planejamento, de insights, toda essa parte que às vezes é invisível, não para o cliente, mas para quem está assistindo de fora, é fundamental e tem de ser valorizado. Meu sócio (José Luiz Madeira) é de planejamento, e trabalhamos juntos há 25 anos. E, apesar dessa parte ser invisível para o consumidor, sem isso não existe criação. Mas toda a agência tem de estar muito bem preparada para não ficar fazendo concessões ao cliente o tempo todo, para acreditar no trabalho da criação. Se fizer uma concessão aqui, aquilo que o cliente está pedindo ali, uma campanha mais ou menos, a equipe fica desmotivada.
Marcio Utsch, CEO da Alpargatas, também cliente da Almap — Você é do tipo purista, que não aceita (ou aceita de mau humor) uma sugestão de intervenção de um cliente em uma criação sua? Como quem paga a conta é o cliente, há sempre a sensação de poder intervir, mesmo que piore o trabalho. Ao criativo cabe aceitar, ou negociar, ou não aceitar. Pode até ser que fique ridículo alterar uma peça (é como pintar um dente na Monalisa), mas penso ser uma situação complicada. Como você tolera esse tipo intervenção?
Serpa — Eu sou purista, mas não sou burro. Tá certo, o cliente está pagando, mas me contratou para fazer um trabalho que ele não sabe fazer, senão ele faria. Toda vez que um cliente sugere alguma coisa, vou responder com toda honestidade e diplomacia possível. Se aquela ideia não acrescentar nada, estiver estragando o trabalho e servir apenas para um pequeno jogo de poder, vou ser muito claro, dizer que pode até piorar o resultado final. Agora, se o cliente mandar fazer, eu faço, mas aviso que é burrice. Sou muito transparente e falo exatamente o que precisa ser dito. Por outro lado, muitas vezes o criativo precisa ser um pouco humilde e perceber que talvez uma ideia, uma sugestão, possa até melhorar o trabalho. Não acho que a gente é dono da verdade. Talvez tenhamos expertise maior do que quem está do lado de lá. Muitas vezes aconteceu de o cliente sugerir alguma coisa que de fato poderia melhorar a campanha — não é regra, mas acontece. Se tem uma ideia que é boa, vamos usá-la. É ruim quando a agência diz sempre não, até para as ideias que possivelmente poderiam melhorar o trabalho. E isso o cliente percebe.
Gabriel Nobrega, sócio da Vetor Zero/Lobo que dirigiu no ano passado a animação “Guerra ao Drugo”, para campanha antidrogas criada por Serpa — Você acredita que a publicidade tem algum papel educativo, e com isso alguma responsabilidade social?
Serpa — A obrigatoriedade da propaganda ter papel educativo é um pouco de ilusão. A propaganda tem um objetivo de vendas. É algo pago, que o cliente faz para vender seu produto. Isso não quer dizer que esse anunciante, que aquela marca, não tem de ter responsabilidade com a sociedade como um todo. Tem de saber que ele está falando para milhões de pessoas que não pediram para ouvi-lo. Então, tem de ter um respeito pela audiência. As marcas têm essa responsabilidade com a sociedade, mas isso não quer dizer que elas devem ser educadoras. O papel de educar é da escola, do educador. O papel da mídia é, em boa parte, também educar. Mas a propaganda, me desculpa, não tem esse papel. Vou ser atacado pelos politicamente corretos. Mas essa é a realidade, sem hipocrisia. Somos uma ferramenta de consumo, de vendas. Uma marca se imbuir do papel de ser educadora é um pouco de prepotência e corre o risco de se tornar hipócrita.
Serpa: “Os anunciantes estão colocando muito dinheiro numa tentativa de achar uma decisão segura. E muito pouco dinheiro em achar soluções brilhantes. Estão mais preocupados em não perder do que em ganhar”
Michael Conrad, presidente da Berlin School of Creative Leadership — Quanto de Bauhaus há no seu trabalho?
Serpa — Muito de Bauhaus há no meu trabalho — o Conrad sabe disso. Eu estudei na Alemanha, uma cultura onde a forma e a função andam muito juntas. E uma cultura onde a forma jamais pode se sobrepor à função. A forma tem de ter sempre uma explicação, e tudo que estiver fora da função daquela forma deve ser retirado. Chamo isso de arte da redução. Ou seja, tirar as coisas que são desnecessárias e concentrar em ter aquela ideia, aquele raciocínio, aquela função muito limpa e muito pura. Estudei, gosto e admiro, mas o meu trabalho não é só Bauhaus. Eu sou brasileiro e valorizo o colorido, o alegre, o bom humor. Uma maneira de pensar que aprendi muito na Alemanha e me influenciou bastante, e tem um pouco de Bauhaus nisso, é a coerência. Entender qual é a função e não se desviar. Fazer a pergunta certa e tentar encontrar o que é preciso dizer da maneira mais limpa, pura e objetiva possível.
Thais Chede, diretora executiva da área de projetos especiais de negócios da TV Globo — Onde você busca as referências e a inspiração para o uso de cores e tonalidades tão especiais, que na minha opinião são marca registrada das campanhas da Almap e dos desenhos, pranchas de surfe e quadros que você faz?
Serpa — Eu sou de família pernambucana. Meu avô, Ruy Albuquerque, era professor da Escola de Belas Artes de Pernambuco. Eu cresci com ele pintando do meu lado, e sempre usando cores muito, muito fortes, muito impactantes, muito sanguíneas. Cresci com essa formação. Ao mesmo tempo, morei, estudei e trabalhei na Alemanha, em um ambiente onde a cor era uma coisa muito seletiva, muito pouca. Muito preto e branco, muito cinza, muito azul puro, vermelho puro, mas muito pouca explosão de cor. Tons muito suaves. Então, eu misturei forma e cor. Eu jamais seria um designer da Apple. Adoraria ser, ter desenhado tudo aquilo, mas eu não seria. Com certeza, pintaria alguma coisa de amarelo, laranja, e não ia funcionar muito bem. Por mais que eu admire o Jonathan Ive (vice-presidente sênior de design da Apple) e todo o design limpo, maravilhoso — entendo o raciocínio, pois tem muito de raciocínio alemão naquele design —, estou mais perto de Pernambuco nesse ponto. Houve um ano em que meu pai estava fazendo MBA na Suíça, eu e meu irmão voltamos mais cedo e moramos oito meses com o meu avô, no apartamento dele em Copacabana, no Rio. Ele pintava, e eu pintava do lado dele. Ele vivia de pintura, depois parou, foi trabalhar como cartógrafo no IBGE, virou chefe da cartografia do instituto no Rio, nos anos 1950 e 1960. Depois voltou à pintura, e viveu da pintura até a morte.
Luiz Carlos Burti, fundador e presidente da Burti — Mesmo nos Estados Unidos, o paraíso da internet e do e-commerce, a mídia impressa ainda é muito utilizada, basta observar o que chega em uma semana à caixa de correio de uma família norte-americana. Eu e você viemos de uma escola gráfica, e sabemos que ela provoca o desejo nas pessoas. Por que por aqui as agências deixaram de incluir nas campanhas a mídia impressa?
Serpa — Primeiro, não deixaram de incluir. O mundo está vivendo uma mudança radical de peso das verbas publicitárias, em função da audiência e da distribuição dos meios. Não é culpa das agências. Eu sou de mídia impressa, continuamos fazendo mídia impressa, mas percebemos que o impacto não é tão grande como já foi. A mídia impressa está vivendo um momento extremamente complexo. Se você for hoje a uma banca de jornais em qualquer lugar do mundo, vai ver que a quantidade de títulos aumentou. Só que cada título em uma tiragem menor. As revistas estão se tornando muito segmentadas, muito direcionadas a um determinado grupo de pessoas. Hoje tem revista para tudo, para jogadores de golfe canhotos e destros. Cada público tem a sua revista. E cada marca tem uma revista. Está mudando um pouquinho o perfil de revista como mídia de massa. Ela vai deixar de ser tão massificada, para ser algo mais exclusivo. E aí a qualidade da impressão e da fotografia são fundamentais. A revista não vai morrer de jeito nenhum, só vai mudar a função. A maior dificuldade dos grandes jornais e revistas é a bandeira de que tudo tem de ser livre, levantada quando a internet nasceu no Vale do Silício, por uma geração de hippies e rappers. O Steve Wozniak (engenheiro e cientista, cofundador da Apple) achava que o sistema operacional que ele fez para a Apple deveria ser distribuído de graça para todo mundo, para que todos pudessem usar. Queria que a informática fosse aberta para todos, sem as grandes corporações ganhando dinheiro. Esse raciocínio, junto com o Napster, que achava que música tinha de ser de graça, criaram um romance sobre a gratuidade da informação, e hoje nós todos estamos pagando o pato. Quem paga o baterista, o guitarrista, o vocalista, o técnico de som? Quem paga o jornalista, o articulista, o fotógrafo? Esse romance em volta da gratuidade da internet, essa bandeira levantada lá atrás, está causando um prejuízo absurdo hoje. Nutriu essa mentalidade de quem cobra algum conteúdo é bandido, e quem faz de graça é herói. Esse romantismo já custou a indústria do disco, vai custar a indústria da informação.
Manolo Moran, fotógrafo — Com os novos formatos digitais, qual será o futuro próximo da fotografia na publicidade?
Serpa — A fotografia vai andar, vai se movimentar. Minha filha Fabiana, que hoje é diretora na Paranoid, quis estudar fotografia. Eu fiz um tour com ela em algumas universidades. Visitamos alguns lugares na Alemanha, e eles estavam meio desesperados porque ainda tinham laboratórios de papel, revelando em preto e branco. E eu, sinceramente, por mais purista que seja, não via muito sentido em uma menina começar revelando preto e branco em papel. Ela foi para Londres, onde o curso de fotografia da Saint Martins, a universidade de artes de Londres, havia lançado naquele momento um novo curso chamado moving images, que não é cinema, não é graphic design e não é fotografia, é uma mistura de tudo. Ou seja, tudo anda e tudo se movimenta. A fotografia vai ser dinâmica. A tecnologia vai nos permitir coisas absurdas dentro do universo da fotografia. Vamos chegar a um nível altíssimo de qualidade, a um preço muito menor.
Frejat, cantor, compositor e colega de escola de Serpa — Como é para a publicidade lidar hoje com um público que pode simplesmente clicar em fechar e lá se foi todo o trabalho de criação de um comercial pelo ralo?
Serpa — Aí é que o trabalho tem mais valor. Antigamente, as pessoas eram obrigadas a assistir àquele conteúdo porque estavam a uma distância de dez metros da televisão e não tinham controle remoto. A invenção do controle remoto fez com que o trabalho dos publicitários tivesse de ser mais interessante. Se fizer algo chato, o público muda de canal. Hoje, a figura do controle remoto é essa imensa quantidade de opções que nós temos para assistir a conteúdo. Então, está valorizado o publicitário, o cara que sabe contar uma história bem contada, que sabe fazer um bom conteúdo, que sabe chamar a atenção das pessoas, sabe seduzir as pessoas. Esse é o segredo. Se quiser contar uma historinha meia boca, clichê, com musiquinha chata, sem relevância, você dança e o público muda. Mais do que nunca, o papel do criador é fundamental. Se o cara não for muito bom, o conteúdo e a mensagem se perdem.
Luciano Huck, apresentador da Rede Globo, citando slogan criado no início da década de 1980 por Enio Mainardi — Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?
Serpa — Eu acho que ele vende mais porque é fresquinho. Minto. Ele é fresquinho porque vende mais. Essa é uma boa pergunta, porque quanto mais sucesso uma marca faz, por meio da propaganda, da embalagem, do posicionamento, mais ela vende. E, se for biscoito, vai ficar sempre fresquinho. É a velha máxima do mercado de consumo: produto que não gira, fica velho, e aí as pessoas não vão comprar. E cabe ao publicitário e às agências fazerem isso. É parte do nosso job description criar conceitos, imagens, peças que sejam memoráveis, que durem mais do que o tempo, que sejam eternas. E eu acho que hoje em dia isso não acontece com tanta frequência. Não por falta de talento. A indústria da comunicação está tão engessada — por uma série de metodologias, estudos sobre o consumidor, marcas, mercado, análises, semiótica —, tudo está tão chato e complexo, que as pessoas hoje não se preocupam mais em criar algo brilhante e inteligente, pois isso poderá ser destruído num focus group, numa quali. E aí, os sobreviventes desse processo todo normalmente não são os virtuosos, mas os que não provocam uma reação. Por isso, tanta campanha que é papel de parede ou sorvete de baunilha. Do sorvete de baunilha ninguém reclama — é gostoso, mas ninguém é louco por ele. A nossa indústria está sofrendo um afogamento pela quantidade absurda dos métodos pseudocientíficos, que servem apenas para criar uma sensação de segurança no marketing, nos acionistas, no CEO, e aí o trabalho fica menos brilhante.
José Victor Oliva, CEO da Holding Clube — No ano passado foi lançada a agência Gael, da qual você é sócio. Qual sua opinião sobre o live marketing no Brasil?
Serpa — Não é fácil ser concorrente do Zé Victor, porque o live marketing dele faz um barulho danado. O Zé (José Luiz Madeira) e eu identificamos no passado o Gaetano Lops, que é uma figura maravilhosa e trabalhou conosco durante três anos, antes de a gente lançar a empresa. Não lançamos à toa. Vimos que dentro dos nossos clientes havia uma demanda muito grande de live marketing. Tem uma oportunidade enorme para fazer coisas fantásticas, porque as pessoas estão nas ruas e querem se envolver. O produto final do live marketing brasileiro é muito bom, o que falta para a gente não é a capacidade de gerar ideias, conceitos e eventos, mas sim hardware. Se for comparar com Hollywood, os caras têm volume, escala, verba e tamanho que nós não temos.
Gabriel Medina, surfista campeão do mundo — Você é um craque na criação, agora quero saber no mar. Qual foi a melhor onda que você já surfou na vida? Quando, onde, por quê?
Serpa — A melhor onda especificamente eu não lembro. Mas as melhores ondas que peguei na minha vida foram em Fiji, em um lugar chamado Cloudbreak, que é uma bancada de corais, em alto-mar, perto de uma ilha chamada Tavarua. Fui cinco vezes na minha vida e lá peguei as ondas mais espetaculares. Foi também lá que o Gabriel Medina foi campeão, numa das etapas do WCT. Ele pega onda do mesmo jeito que eu... quer dizer, ele pega 400 vezes melhor que eu. Eu sou surfista de fim de semana. Mas, assim como ele, coloco o pé direito na frente, mas a maioria dos surfistas coloca o esquerdo. E Cloudbreak é perfeita para quem coloca o pé direito na frente, porque você fica de frente para a onda. Eu torço muito para o Gabriel, fiz um logo para ele, o vi com 15 ou 16 anos de idade, e fiquei completamente embasbacado. Ele é um garoto espetacular, fora da curva, tem a frieza do ganhador e um olhar matador que me lembra o do Ayrton Senna. O que é difícil para o brasileiro, que é muito emocional. Eu cresci em Copacabana, desde menino pegava onda com aquelas pranchinhas de isopor. Quando eu tinha dez anos, comprei com meu irmão (Ricardo, fotógrafo que vive nos Estados Unidos) uma prancha usada, que dividíamos — cada um ficava meia hora dentro da água. Cresci pegando onda no Arpoador, Barra da Tijuca, Prainha, Recreio, Macumba... Fui para a Alemanha e parei de surfar. Voltei para o Rio, voltei a surfar. Depois me mudei para São Paulo e parei de novo, porque era um pouco preconceituoso em relação às praias paulistas. Levou um tempinho até achar que Maresias e Guarujá são praias, e voltar a surfar todo fim de semana.
André Kassu, que no ano passado deixou a Almap para se tornar sócio e CCO da CP+B Brasil — Você gosta de remar nas maiores da série quando está surfando, já levou séries de 12 pés na cabeça. Como é essa relação com o medo e o desafio?
Serpa — Você provoca o medo, porque a sensação de ter medo, de certa maneira, te faz se sentir vivo. Eu provoco o medo até ele virar pânico. Fico no limite. Como estou ficando mais velho, está diminuindo essa vontade de sentir pânico. Se entro em um mar onde eu possa pegar as maiores ondas, estou confortável. No mar que vou para pegar as menores, entro em pânico. As maiores são aquelas que vão te engolir, então você fica com medo. Sentir medo é bom, pânico não é saudável. O surfista vai até o limite do pânico.
Paulo Lima, fundador e editor da Trip — Onde você acha que aprendeu as melhores lições para a vida? Na temporada que passou na Alemanha estudando design ou num fim de tarde clássico em Sunset?
Serpa — Com certeza, na Alemanha. As lições que aprendi lá vou levar para o resto da minha vida. Lições de coerência, consequência. Quando eu estudei lá, parece que as coisas começaram a fazer sentido para mim. E, no momento em que tudo se encaixa perfeitamente, é quase uma epifania. Era daquele jeito que eu queria pensar e fazer — e isso eu trago comigo até hoje. Num final de tarde em Sunset, você tem outro tipo de lição de vida. É quase um pouco budista. Pegando onda, com uma prancha e um short, mais nada, você vê uma tartaruga, o sol se pôr, a água transparente, aquelas ondas perfeitas vindo, e fica em sintonia com uma série de coisas muito boas e muito simples. Por isso o budismo. Você aprende certo desprendimento e se pergunta: será que precisamos disso tudo que a gente faz? Naquele momento, você vê que não precisa. Mas é uma sensação limitada, talvez a um ou dois dias. Depois, você sai da água e essa epifania passa rápido. Já a que eu tive na Alemanha é eterna.
Andrew Robertson, presidente e CEO da BBDO Worldwide, que antes de fazer a pergunta disse que o que queria saber mesmo era a receita de Bouillabaisse, a sopa francesa que Serpa faz — Você ficará preso em uma ilha deserta, sem ondas para surfar. Assim, terá muito tempo livre. Você pode levar três anúncios da sua agência, quais serão eles?
Serpa — A campanha de Havaianas, o conjunto da obra — com ela eu ficaria muito tempo, porque tem muita coisa para olhar. Três filmes de Volkswagen: o “Double check” (1999), criado por mim e o Eugênio Mohallem; o outro, do Tales Bahu e do Rodrigo Almeida — eu fui só diretor de criação –, que é “Forrest Gump” (2007), de Golf, um dos filmes prediletos dos que já produzimos aqui; e o “Cachorro-Peixe” (2008), de SpaceFox, que é do Gustavo Sarkis e do Renato Fernandez. E, uma terceira campanha, levaria o filme “Surf” (2005), que fiz para Pepsi com o Dulcidio Caldeira e o Cesar Finamori, para ficar bem deprimido, já que o Andrew diz que as ondas na ilha não serão boas.
Nizan Guanaes, sócio-fundador do Grupo ABC e ex-dupla de Serpa em alguns trabalhos, na passagem de ambos pela DM9, como o primeiro Grand Prix de Cannes da publicidade brasileira (o cartaz “Umbigo”, para Guaraná Antarctica Diet) — Como um dos publicitários mais premiados e respeitados do mundo, quais são os desafios mundiais de nossa indústria?
Serpa — Recuperar o valor percebido junto aos clientes. Os clientes não perceberam ainda que num mundo com tanta opção, tanta possibilidade de ver conteúdos, os caras que sabem fazer isso com maior talento valem mais do que eles estão querendo pagar. Esse é o principal desafio da indústria da propaganda. Não adianta economizar, cortar, e o trabalho ficar ruim. Mais do que nunca — e aí eu volto à pergunta do Frejat —, é preciso ter pessoas talentosas, das mais diversas áreas, criando coisas que sejam absolutamente relevantes, interessantes, impactantes, sedutoras. E, normalmente, numa sala de reuniões essas ideias provocam um desconforto, um medo — será que devo fazer isso, será que é muito arrojado? São ideias mais intuitivas do que científicas. Os anunciantes estão colocando muito dinheiro numa tentativa de achar uma decisão segura. E muito pouco dinheiro em achar soluções brilhantes. E essas, sim, vão fazer o negócio dele andar. O seguro vai fazer com que ele não perca. E as ideias grandes vão fazê-lo ganhar. Hoje as pessoas estão mais preocupadas em não perder do que em ganhar.
Philip Thomas, CEO do Festival Internacional de Criatividade de Cannes — A estrutura do mercado publicitário brasileiro é mais ou menos única no mundo, com aspectos positivos e talvez alguns negativos. Você vê a estrutura da indústria brasileira em constante mudança no futuro, e tornando-se mais parecida como são, por exemplo, os mercados dos Estados Unidos e do Reino Unido?
Serpa — Eu vou ser bem mais arrogante do que qualquer inglês jamais foi. É o contrário: os mercados americano e inglês vão acabar voltando para o modelo mais parecido com o do Brasil. Há várias razões para isso. Se a gente analisar a maneira como a mídia é comprada no mercado americano, ela está completamente dissociada da criação ou do planejamento. E, muitas vezes, eles usam ferramentas de audiência ou segmentação muito poderosas — hoje, com o big data, dá para saber exatamente qual é o CEP daquele cara que você quer atingir. Isso é muito bom, é excelente. Mas as agências também podem fazer isso. Agora, para conseguir tirar uma ideia, um insight, da quantidade de informações que têm dentro de uma empresa de big data, de hábitos de consumo, de redes sociais, só um cara de planejamento e um de criação. Separado, um cara de mídia não vai conseguir. Se esses dados de comportamento e de audiência estão dentro da agência, o planejamento e a criação vão achar ali um caminho que talvez os outros não achem. A divisão é prejudicial, e esse é um dos grandes problemas hoje da indústria americana e inglesa. Lá a criação está criando em cima de formatos pré-estabelecidos e de uma compra feita anteriormente. Não há ligação entre o insight de consumo e o planejamento e a criação. Vão começar a aparecer clientes, marcas e agências dispostos a trabalhar tudo junto.
Fernando Meirelles, diretor da O2 Filmes — Uma pergunta do tipo que se faz em concurso de miss: se você tivesse o poder de financiar alguma grande transformação no Brasil, tipo um investimento à la Bill Gates, em que área colocaria essa munição, como e por quê?
Serpa — Em educação, porque é a única maneira de a gente ter um futuro. Presente não teremos. Nos últimos dez anos, todo o movimento econômico foi para dar geladeiras e televisões para as pessoas. Se eu fosse colocar hoje meu dinheiro, tanto como um Bill Gates, a fundo perdido, ou como investidor, colocaria em educação. É a única possibilidade — é só olhar a Coreia, a China, o Japão. Mas eu acho que o dinheiro do Bill Gates não bastaria no Brasil.
Rita Almeida, sócia-fundadora da COR — Se você tivesse 30 anos e fosse fazer uma agência do zero, como ela seria? Seria uma agência de propaganda?
Serpa — Eu voltaria para a minha base, para a minha origem, e faria uma agência de design, que fosse extremamente boa em digital. Mas isso sou eu, com meu sonho, olhando para trás e pensando no que faria hoje, se fosse começar novamente, como pessoa física. Não digo que isso seja o segredo do sucesso, nem que o cara que hoje fizesse design com digital daria certo — não, provavelmente não daria. As relações que estão estabelecidas hoje são muito ruins para quem está começando um negócio novo. Não existe uma segurança econômica nas relações entre anunciantes e agências, de quais setores forem. Não são saudáveis para suportar a vontade de um iniciante fazer um trabalho de ponta. O Brasil tem talentos maravilhosos nesse setor, mas eu não vejo agências de design no Brasil sendo remuneradas da mesma maneira que clientes brasileiros remuneram agências de design inglesas. Aqui é muito barato, assim como no digital. Nós temos aqui talentos tão bons, ou até melhores, que muitas agências que recebem fortunas porque têm pedigree anglo-saxão. Na propaganda é o contrário, a gente tem esse reconhecimento, pois temos cases que fizeram acontecer em outra época. Não acho que o ambiente hoje seja propício para isso, mas o talento sempre ganha.
Fabiana Serpa, filha e diretora da Paranoid — Se você tivesse se formando na escola hoje e pudesse escolher qualquer carreira, qual seria?
Serpa — Com certeza, nada muito diferente do que eu faço. Eu gosto muito do processo criativo. Arquitetura não seria, porque os projetos são muito longos, e eu sou muito neurótico para suportar esse tempo todo. Eu estudei design, mas saí do design porque eu achava que levava muito tempo para criar uma marca e fazer um manual de uso. Podia levar um ano e meio, mesmo que o processo criativo de criação da marca levasse meia hora. Em propaganda é diferente, você cria uma campanha hoje e depois tem outra. Às vezes, você faz quatro ao mesmo tempo. E tem de sair já, tem de produzir agora. Essa neurose, esse ciclo rápido de criação me faz muito bem. Eu gosto de desenhar e de pintar, mas pinto um quadro e já estou pensando em outro. Se eu fosse purista e pudesse viver de brisa, talvez eu fosse artista plástico. Ia voltar e entrar na Academia de Belas Artes em Munique, que eu não fiz na época, porque queria esse nervosismo, essa arte aplicada que a gente faz hoje. Eu voltaria para a arte pura, mas isso, depois de ter vivido o que eu vivi. Aí seria um ciclo novo. Sou um pintor diletante, como sou um surfista diletante, mas me divirto. Para mim, o principal nessa profissão, e também no hobby, é se divertir, porque se não se divertir não vale a pena.
Confira as respostas de Marcello Serpa para algumas das perguntas desta entrevista especial no vídeo da TV Meio & Mensagem.
“As pessoas não se preocupam mais em criar algo brilhante e inteligente, pois isso poderá ser destruído num focus group, numa quali. E aí, os sobreviventes não são os virtuosos, mas os que não provocam uma reação”
Nesta quinta-feira, 27 de agosto, Marcello Serpa e seu sócio desde 1993, José Luiz Madeira, anunciam a saída da dupla da agência que comandam há 22 anos.
Em abril deste ano, na edição especial de aniversário do Meio & Mensagem, Serpa participou da Entrevista Coletiva, respondendo a perguntas feitas por 20 profissionais convidados pela redação.
Na íntegra, reproduzida abaixo, ele divide um pouco de sua vida pessoal e publicitária que têm, de um lado, a estética funcional da escola alemã Bauhaus, e, de outro, o colorido impactante da herança cultural pernambucana.Ambas se encontram na formação do até então sócio e copresidente do board da AlmapBBDO. Uma mistura que ajudou a construir a agência mais premiada da história recente da publicidade brasileira. A razão e a intuição, o planejamento e a criação, o erudito e o popular — juntos, esses ingredientes revelaram ao mundo um portfólio invejável. A precisão do “Double check” da Volkswagen e a explosão dos anúncios de Havaianas, entre tantos outros trabalhos memoráveis.
Donald Gunn, fundador do Gunn Report — Acredito que muita gente estaria interessada em te ouvir sobre o seguinte: o que há de comum em fazer uma boa agência, um bom time de futebol, um bom país e uma boa pessoa, se é que há algo em comum?
Marcello Serpa — Um bom país e uma boa pessoa andam juntos, e um bom time de futebol e uma boa agência andam juntos. Não sei se dá para juntar os quatro. No caso da agência e do time, é o antigo clichê de todo mundo trabalhando junto. Mas, há muito tempo, eu tive uma reunião com um diretor de marketing de uma multinacional que queria baixar os custos da agência, especialmente controlando os salários das pessoas que trabalhavam com aquela conta. Eu disse a ele: “se você fosse administrar o Barcelona com esse raciocínio, e resolvesse economizar no salário dos jogadores, o tempo todo pensando em custo-benefício, em dois anos colocaria o time na segunda divisão”. Propaganda e futebol têm, de certa maneira, muito a ver com ter os melhores talentos. E melhores talentos custam dinheiro. Pessoas que pensam coisas novas, diferentes, contam histórias que o público não conhece, custam dinheiro. E, muitas vezes, a propaganda é colocada pelos clientes dentro da planilha do parafuso, que não leva em conta que talento não se produz, não se aprende, não se forma e é difícil de achar. Já países e pessoas se formam por meio de valores. Todos nós gostaríamos que nossos filhos tivessem valores fortes, fossem corretos, honestos, empreendedores, inteligentes. E um país que não é honesto, empreendedor e inteligente está fadado ao fracasso.
Herlander Zola, diretor de marketing da Audi, cliente da AlmapBBDO — Montar uma equipe criativa de primeiro nível é um grande desafio, e manter essa equipe com o mesmo nível criativo ao longo do tempo é ainda mais difícil, principalmente num cenário onde a retenção de talentos é complexa, o mundo digital muda o hábito dos consumidores e as novas gerações têm comportamento completamente diferente das anteriores. Qual é a sua fórmula para manter e garimpar novos talentos, e continuar gerando soluções criativas e eficientes para os seus clientes durante tanto tempo?
Serpa — Para montar uma equipe de criação, é preciso, primeiro, ser um bom criativo. Ninguém que seja muito bom vai trabalhar abaixo de alguém que ele não respeite. Para ser um bom diretor de criação, para tocar uma agência, tem de ter um portfólio que seja respeitado pelas pessoas que irá contratar. Elas precisam ter um mínimo de admiração pelo que você já fez para entender e seguir o seu critério. Outra coisa importante é que o diretor de criação e líder da agência contrate pessoas que sejam completamente diferentes. Não querer pessoas que fazem exatamente aquilo que você faz, mas que sejam complementares. É preciso ter a humildade de reconhecer o que você não sabe fazer tão bem e trazer pessoas que pensem de maneira abrangente, para se ter um time que seja o mais diverso possível. Esse caminho não é fácil, mas pelo menos a gente tenta já tem um tempo. Depois disso, é ter sempre em mente que as coisas estão mudando e a sua equipe também vai mudando, se adaptando, trazendo gente nova que faça coisas que as pessoas que estão aqui não sabem fazer, que sejam capazes de modificar o tempo todo a dinâmica da agência. E, no mercado de criação, é fundamental que se tenha um respeito profundo sobre duas coisas. A primeira é bem de publicitário, de criativo, que é o respeito pela ficha técnica, que significa respeitar a autoria e jamais colocar seu nome à frente do trabalho dos outros. O diretor de criação que coloca o nome dele à frente de todo e qualquer trabalho que aparece na agência está achatando os talentos que atuam com ele. Essa é uma prática comum no mundo todo. A outra coisa fundamental é ter uma agência que acredite que a melhor coisa que ela tem é o trabalho que produz. O time de planejamento, de insights, toda essa parte que às vezes é invisível, não para o cliente, mas para quem está assistindo de fora, é fundamental e tem de ser valorizado. Meu sócio (José Luiz Madeira) é de planejamento, e trabalhamos juntos há 25 anos. E, apesar dessa parte ser invisível para o consumidor, sem isso não existe criação. Mas toda a agência tem de estar muito bem preparada para não ficar fazendo concessões ao cliente o tempo todo, para acreditar no trabalho da criação. Se fizer uma concessão aqui, aquilo que o cliente está pedindo ali, uma campanha mais ou menos, a equipe fica desmotivada.
Marcio Utsch, CEO da Alpargatas, também cliente da Almap — Você é do tipo purista, que não aceita (ou aceita de mau humor) uma sugestão de intervenção de um cliente em uma criação sua? Como quem paga a conta é o cliente, há sempre a sensação de poder intervir, mesmo que piore o trabalho. Ao criativo cabe aceitar, ou negociar, ou não aceitar. Pode até ser que fique ridículo alterar uma peça (é como pintar um dente na Monalisa), mas penso ser uma situação complicada. Como você tolera esse tipo intervenção?
Serpa — Eu sou purista, mas não sou burro. Tá certo, o cliente está pagando, mas me contratou para fazer um trabalho que ele não sabe fazer, senão ele faria. Toda vez que um cliente sugere alguma coisa, vou responder com toda honestidade e diplomacia possível. Se aquela ideia não acrescentar nada, estiver estragando o trabalho e servir apenas para um pequeno jogo de poder, vou ser muito claro, dizer que pode até piorar o resultado final. Agora, se o cliente mandar fazer, eu faço, mas aviso que é burrice. Sou muito transparente e falo exatamente o que precisa ser dito. Por outro lado, muitas vezes o criativo precisa ser um pouco humilde e perceber que talvez uma ideia, uma sugestão, possa até melhorar o trabalho. Não acho que a gente é dono da verdade. Talvez tenhamos expertise maior do que quem está do lado de lá. Muitas vezes aconteceu de o cliente sugerir alguma coisa que de fato poderia melhorar a campanha — não é regra, mas acontece. Se tem uma ideia que é boa, vamos usá-la. É ruim quando a agência diz sempre não, até para as ideias que possivelmente poderiam melhorar o trabalho. E isso o cliente percebe.
Gabriel Nobrega, sócio da Vetor Zero/Lobo que dirigiu no ano passado a animação “Guerra ao Drugo”, para campanha antidrogas criada por Serpa — Você acredita que a publicidade tem algum papel educativo, e com isso alguma responsabilidade social?
Serpa — A obrigatoriedade da propaganda ter papel educativo é um pouco de ilusão. A propaganda tem um objetivo de vendas. É algo pago, que o cliente faz para vender seu produto. Isso não quer dizer que esse anunciante, que aquela marca, não tem de ter responsabilidade com a sociedade como um todo. Tem de saber que ele está falando para milhões de pessoas que não pediram para ouvi-lo. Então, tem de ter um respeito pela audiência. As marcas têm essa responsabilidade com a sociedade, mas isso não quer dizer que elas devem ser educadoras. O papel de educar é da escola, do educador. O papel da mídia é, em boa parte, também educar. Mas a propaganda, me desculpa, não tem esse papel. Vou ser atacado pelos politicamente corretos. Mas essa é a realidade, sem hipocrisia. Somos uma ferramenta de consumo, de vendas. Uma marca se imbuir do papel de ser educadora é um pouco de prepotência e corre o risco de se tornar hipócrita.
Serpa: “Os anunciantes estão colocando muito dinheiro numa tentativa de achar uma decisão segura. E muito pouco dinheiro em achar soluções brilhantes. Estão mais preocupados em não perder do que em ganhar”
Michael Conrad, presidente da Berlin School of Creative Leadership — Quanto de Bauhaus há no seu trabalho?
Serpa — Muito de Bauhaus há no meu trabalho — o Conrad sabe disso. Eu estudei na Alemanha, uma cultura onde a forma e a função andam muito juntas. E uma cultura onde a forma jamais pode se sobrepor à função. A forma tem de ter sempre uma explicação, e tudo que estiver fora da função daquela forma deve ser retirado. Chamo isso de arte da redução. Ou seja, tirar as coisas que são desnecessárias e concentrar em ter aquela ideia, aquele raciocínio, aquela função muito limpa e muito pura. Estudei, gosto e admiro, mas o meu trabalho não é só Bauhaus. Eu sou brasileiro e valorizo o colorido, o alegre, o bom humor. Uma maneira de pensar que aprendi muito na Alemanha e me influenciou bastante, e tem um pouco de Bauhaus nisso, é a coerência. Entender qual é a função e não se desviar. Fazer a pergunta certa e tentar encontrar o que é preciso dizer da maneira mais limpa, pura e objetiva possível.
Thais Chede, diretora executiva da área de projetos especiais de negócios da TV Globo — Onde você busca as referências e a inspiração para o uso de cores e tonalidades tão especiais, que na minha opinião são marca registrada das campanhas da Almap e dos desenhos, pranchas de surfe e quadros que você faz?
Serpa — Eu sou de família pernambucana. Meu avô, Ruy Albuquerque, era professor da Escola de Belas Artes de Pernambuco. Eu cresci com ele pintando do meu lado, e sempre usando cores muito, muito fortes, muito impactantes, muito sanguíneas. Cresci com essa formação. Ao mesmo tempo, morei, estudei e trabalhei na Alemanha, em um ambiente onde a cor era uma coisa muito seletiva, muito pouca. Muito preto e branco, muito cinza, muito azul puro, vermelho puro, mas muito pouca explosão de cor. Tons muito suaves. Então, eu misturei forma e cor. Eu jamais seria um designer da Apple. Adoraria ser, ter desenhado tudo aquilo, mas eu não seria. Com certeza, pintaria alguma coisa de amarelo, laranja, e não ia funcionar muito bem. Por mais que eu admire o Jonathan Ive (vice-presidente sênior de design da Apple) e todo o design limpo, maravilhoso — entendo o raciocínio, pois tem muito de raciocínio alemão naquele design —, estou mais perto de Pernambuco nesse ponto. Houve um ano em que meu pai estava fazendo MBA na Suíça, eu e meu irmão voltamos mais cedo e moramos oito meses com o meu avô, no apartamento dele em Copacabana, no Rio. Ele pintava, e eu pintava do lado dele. Ele vivia de pintura, depois parou, foi trabalhar como cartógrafo no IBGE, virou chefe da cartografia do instituto no Rio, nos anos 1950 e 1960. Depois voltou à pintura, e viveu da pintura até a morte.
Luiz Carlos Burti, fundador e presidente da Burti — Mesmo nos Estados Unidos, o paraíso da internet e do e-commerce, a mídia impressa ainda é muito utilizada, basta observar o que chega em uma semana à caixa de correio de uma família norte-americana. Eu e você viemos de uma escola gráfica, e sabemos que ela provoca o desejo nas pessoas. Por que por aqui as agências deixaram de incluir nas campanhas a mídia impressa?
Serpa — Primeiro, não deixaram de incluir. O mundo está vivendo uma mudança radical de peso das verbas publicitárias, em função da audiência e da distribuição dos meios. Não é culpa das agências. Eu sou de mídia impressa, continuamos fazendo mídia impressa, mas percebemos que o impacto não é tão grande como já foi. A mídia impressa está vivendo um momento extremamente complexo. Se você for hoje a uma banca de jornais em qualquer lugar do mundo, vai ver que a quantidade de títulos aumentou. Só que cada título em uma tiragem menor. As revistas estão se tornando muito segmentadas, muito direcionadas a um determinado grupo de pessoas. Hoje tem revista para tudo, para jogadores de golfe canhotos e destros. Cada público tem a sua revista. E cada marca tem uma revista. Está mudando um pouquinho o perfil de revista como mídia de massa. Ela vai deixar de ser tão massificada, para ser algo mais exclusivo. E aí a qualidade da impressão e da fotografia são fundamentais. A revista não vai morrer de jeito nenhum, só vai mudar a função. A maior dificuldade dos grandes jornais e revistas é a bandeira de que tudo tem de ser livre, levantada quando a internet nasceu no Vale do Silício, por uma geração de hippies e rappers. O Steve Wozniak (engenheiro e cientista, cofundador da Apple) achava que o sistema operacional que ele fez para a Apple deveria ser distribuído de graça para todo mundo, para que todos pudessem usar. Queria que a informática fosse aberta para todos, sem as grandes corporações ganhando dinheiro. Esse raciocínio, junto com o Napster, que achava que música tinha de ser de graça, criaram um romance sobre a gratuidade da informação, e hoje nós todos estamos pagando o pato. Quem paga o baterista, o guitarrista, o vocalista, o técnico de som? Quem paga o jornalista, o articulista, o fotógrafo? Esse romance em volta da gratuidade da internet, essa bandeira levantada lá atrás, está causando um prejuízo absurdo hoje. Nutriu essa mentalidade de quem cobra algum conteúdo é bandido, e quem faz de graça é herói. Esse romantismo já custou a indústria do disco, vai custar a indústria da informação.
Manolo Moran, fotógrafo — Com os novos formatos digitais, qual será o futuro próximo da fotografia na publicidade?
Serpa — A fotografia vai andar, vai se movimentar. Minha filha Fabiana, que hoje é diretora na Paranoid, quis estudar fotografia. Eu fiz um tour com ela em algumas universidades. Visitamos alguns lugares na Alemanha, e eles estavam meio desesperados porque ainda tinham laboratórios de papel, revelando em preto e branco. E eu, sinceramente, por mais purista que seja, não via muito sentido em uma menina começar revelando preto e branco em papel. Ela foi para Londres, onde o curso de fotografia da Saint Martins, a universidade de artes de Londres, havia lançado naquele momento um novo curso chamado moving images, que não é cinema, não é graphic design e não é fotografia, é uma mistura de tudo. Ou seja, tudo anda e tudo se movimenta. A fotografia vai ser dinâmica. A tecnologia vai nos permitir coisas absurdas dentro do universo da fotografia. Vamos chegar a um nível altíssimo de qualidade, a um preço muito menor.
Frejat, cantor, compositor e colega de escola de Serpa — Como é para a publicidade lidar hoje com um público que pode simplesmente clicar em fechar e lá se foi todo o trabalho de criação de um comercial pelo ralo?
Serpa — Aí é que o trabalho tem mais valor. Antigamente, as pessoas eram obrigadas a assistir àquele conteúdo porque estavam a uma distância de dez metros da televisão e não tinham controle remoto. A invenção do controle remoto fez com que o trabalho dos publicitários tivesse de ser mais interessante. Se fizer algo chato, o público muda de canal. Hoje, a figura do controle remoto é essa imensa quantidade de opções que nós temos para assistir a conteúdo. Então, está valorizado o publicitário, o cara que sabe contar uma história bem contada, que sabe fazer um bom conteúdo, que sabe chamar a atenção das pessoas, sabe seduzir as pessoas. Esse é o segredo. Se quiser contar uma historinha meia boca, clichê, com musiquinha chata, sem relevância, você dança e o público muda. Mais do que nunca, o papel do criador é fundamental. Se o cara não for muito bom, o conteúdo e a mensagem se perdem.
Luciano Huck, apresentador da Rede Globo, citando slogan criado no início da década de 1980 por Enio Mainardi — Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?
Serpa — Eu acho que ele vende mais porque é fresquinho. Minto. Ele é fresquinho porque vende mais. Essa é uma boa pergunta, porque quanto mais sucesso uma marca faz, por meio da propaganda, da embalagem, do posicionamento, mais ela vende. E, se for biscoito, vai ficar sempre fresquinho. É a velha máxima do mercado de consumo: produto que não gira, fica velho, e aí as pessoas não vão comprar. E cabe ao publicitário e às agências fazerem isso. É parte do nosso job description criar conceitos, imagens, peças que sejam memoráveis, que durem mais do que o tempo, que sejam eternas. E eu acho que hoje em dia isso não acontece com tanta frequência. Não por falta de talento. A indústria da comunicação está tão engessada — por uma série de metodologias, estudos sobre o consumidor, marcas, mercado, análises, semiótica —, tudo está tão chato e complexo, que as pessoas hoje não se preocupam mais em criar algo brilhante e inteligente, pois isso poderá ser destruído num focus group, numa quali. E aí, os sobreviventes desse processo todo normalmente não são os virtuosos, mas os que não provocam uma reação. Por isso, tanta campanha que é papel de parede ou sorvete de baunilha. Do sorvete de baunilha ninguém reclama — é gostoso, mas ninguém é louco por ele. A nossa indústria está sofrendo um afogamento pela quantidade absurda dos métodos pseudocientíficos, que servem apenas para criar uma sensação de segurança no marketing, nos acionistas, no CEO, e aí o trabalho fica menos brilhante.
José Victor Oliva, CEO da Holding Clube — No ano passado foi lançada a agência Gael, da qual você é sócio. Qual sua opinião sobre o live marketing no Brasil?
Serpa — Não é fácil ser concorrente do Zé Victor, porque o live marketing dele faz um barulho danado. O Zé (José Luiz Madeira) e eu identificamos no passado o Gaetano Lops, que é uma figura maravilhosa e trabalhou conosco durante três anos, antes de a gente lançar a empresa. Não lançamos à toa. Vimos que dentro dos nossos clientes havia uma demanda muito grande de live marketing. Tem uma oportunidade enorme para fazer coisas fantásticas, porque as pessoas estão nas ruas e querem se envolver. O produto final do live marketing brasileiro é muito bom, o que falta para a gente não é a capacidade de gerar ideias, conceitos e eventos, mas sim hardware. Se for comparar com Hollywood, os caras têm volume, escala, verba e tamanho que nós não temos.
Gabriel Medina, surfista campeão do mundo — Você é um craque na criação, agora quero saber no mar. Qual foi a melhor onda que você já surfou na vida? Quando, onde, por quê?
Serpa — A melhor onda especificamente eu não lembro. Mas as melhores ondas que peguei na minha vida foram em Fiji, em um lugar chamado Cloudbreak, que é uma bancada de corais, em alto-mar, perto de uma ilha chamada Tavarua. Fui cinco vezes na minha vida e lá peguei as ondas mais espetaculares. Foi também lá que o Gabriel Medina foi campeão, numa das etapas do WCT. Ele pega onda do mesmo jeito que eu... quer dizer, ele pega 400 vezes melhor que eu. Eu sou surfista de fim de semana. Mas, assim como ele, coloco o pé direito na frente, mas a maioria dos surfistas coloca o esquerdo. E Cloudbreak é perfeita para quem coloca o pé direito na frente, porque você fica de frente para a onda. Eu torço muito para o Gabriel, fiz um logo para ele, o vi com 15 ou 16 anos de idade, e fiquei completamente embasbacado. Ele é um garoto espetacular, fora da curva, tem a frieza do ganhador e um olhar matador que me lembra o do Ayrton Senna. O que é difícil para o brasileiro, que é muito emocional. Eu cresci em Copacabana, desde menino pegava onda com aquelas pranchinhas de isopor. Quando eu tinha dez anos, comprei com meu irmão (Ricardo, fotógrafo que vive nos Estados Unidos) uma prancha usada, que dividíamos — cada um ficava meia hora dentro da água. Cresci pegando onda no Arpoador, Barra da Tijuca, Prainha, Recreio, Macumba... Fui para a Alemanha e parei de surfar. Voltei para o Rio, voltei a surfar. Depois me mudei para São Paulo e parei de novo, porque era um pouco preconceituoso em relação às praias paulistas. Levou um tempinho até achar que Maresias e Guarujá são praias, e voltar a surfar todo fim de semana.
André Kassu, que no ano passado deixou a Almap para se tornar sócio e CCO da CP+B Brasil — Você gosta de remar nas maiores da série quando está surfando, já levou séries de 12 pés na cabeça. Como é essa relação com o medo e o desafio?
Serpa — Você provoca o medo, porque a sensação de ter medo, de certa maneira, te faz se sentir vivo. Eu provoco o medo até ele virar pânico. Fico no limite. Como estou ficando mais velho, está diminuindo essa vontade de sentir pânico. Se entro em um mar onde eu possa pegar as maiores ondas, estou confortável. No mar que vou para pegar as menores, entro em pânico. As maiores são aquelas que vão te engolir, então você fica com medo. Sentir medo é bom, pânico não é saudável. O surfista vai até o limite do pânico.
Paulo Lima, fundador e editor da Trip — Onde você acha que aprendeu as melhores lições para a vida? Na temporada que passou na Alemanha estudando design ou num fim de tarde clássico em Sunset?
Serpa — Com certeza, na Alemanha. As lições que aprendi lá vou levar para o resto da minha vida. Lições de coerência, consequência. Quando eu estudei lá, parece que as coisas começaram a fazer sentido para mim. E, no momento em que tudo se encaixa perfeitamente, é quase uma epifania. Era daquele jeito que eu queria pensar e fazer — e isso eu trago comigo até hoje. Num final de tarde em Sunset, você tem outro tipo de lição de vida. É quase um pouco budista. Pegando onda, com uma prancha e um short, mais nada, você vê uma tartaruga, o sol se pôr, a água transparente, aquelas ondas perfeitas vindo, e fica em sintonia com uma série de coisas muito boas e muito simples. Por isso o budismo. Você aprende certo desprendimento e se pergunta: será que precisamos disso tudo que a gente faz? Naquele momento, você vê que não precisa. Mas é uma sensação limitada, talvez a um ou dois dias. Depois, você sai da água e essa epifania passa rápido. Já a que eu tive na Alemanha é eterna.
Andrew Robertson, presidente e CEO da BBDO Worldwide, que antes de fazer a pergunta disse que o que queria saber mesmo era a receita de Bouillabaisse, a sopa francesa que Serpa faz — Você ficará preso em uma ilha deserta, sem ondas para surfar. Assim, terá muito tempo livre. Você pode levar três anúncios da sua agência, quais serão eles?
Serpa — A campanha de Havaianas, o conjunto da obra — com ela eu ficaria muito tempo, porque tem muita coisa para olhar. Três filmes de Volkswagen: o “Double check” (1999), criado por mim e o Eugênio Mohallem; o outro, do Tales Bahu e do Rodrigo Almeida — eu fui só diretor de criação –, que é “Forrest Gump” (2007), de Golf, um dos filmes prediletos dos que já produzimos aqui; e o “Cachorro-Peixe” (2008), de SpaceFox, que é do Gustavo Sarkis e do Renato Fernandez. E, uma terceira campanha, levaria o filme “Surf” (2005), que fiz para Pepsi com o Dulcidio Caldeira e o Cesar Finamori, para ficar bem deprimido, já que o Andrew diz que as ondas na ilha não serão boas.
Nizan Guanaes, sócio-fundador do Grupo ABC e ex-dupla de Serpa em alguns trabalhos, na passagem de ambos pela DM9, como o primeiro Grand Prix de Cannes da publicidade brasileira (o cartaz “Umbigo”, para Guaraná Antarctica Diet) — Como um dos publicitários mais premiados e respeitados do mundo, quais são os desafios mundiais de nossa indústria?
Serpa — Recuperar o valor percebido junto aos clientes. Os clientes não perceberam ainda que num mundo com tanta opção, tanta possibilidade de ver conteúdos, os caras que sabem fazer isso com maior talento valem mais do que eles estão querendo pagar. Esse é o principal desafio da indústria da propaganda. Não adianta economizar, cortar, e o trabalho ficar ruim. Mais do que nunca — e aí eu volto à pergunta do Frejat —, é preciso ter pessoas talentosas, das mais diversas áreas, criando coisas que sejam absolutamente relevantes, interessantes, impactantes, sedutoras. E, normalmente, numa sala de reuniões essas ideias provocam um desconforto, um medo — será que devo fazer isso, será que é muito arrojado? São ideias mais intuitivas do que científicas. Os anunciantes estão colocando muito dinheiro numa tentativa de achar uma decisão segura. E muito pouco dinheiro em achar soluções brilhantes. E essas, sim, vão fazer o negócio dele andar. O seguro vai fazer com que ele não perca. E as ideias grandes vão fazê-lo ganhar. Hoje as pessoas estão mais preocupadas em não perder do que em ganhar.
Philip Thomas, CEO do Festival Internacional de Criatividade de Cannes — A estrutura do mercado publicitário brasileiro é mais ou menos única no mundo, com aspectos positivos e talvez alguns negativos. Você vê a estrutura da indústria brasileira em constante mudança no futuro, e tornando-se mais parecida como são, por exemplo, os mercados dos Estados Unidos e do Reino Unido?
Serpa — Eu vou ser bem mais arrogante do que qualquer inglês jamais foi. É o contrário: os mercados americano e inglês vão acabar voltando para o modelo mais parecido com o do Brasil. Há várias razões para isso. Se a gente analisar a maneira como a mídia é comprada no mercado americano, ela está completamente dissociada da criação ou do planejamento. E, muitas vezes, eles usam ferramentas de audiência ou segmentação muito poderosas — hoje, com o big data, dá para saber exatamente qual é o CEP daquele cara que você quer atingir. Isso é muito bom, é excelente. Mas as agências também podem fazer isso. Agora, para conseguir tirar uma ideia, um insight, da quantidade de informações que têm dentro de uma empresa de big data, de hábitos de consumo, de redes sociais, só um cara de planejamento e um de criação. Separado, um cara de mídia não vai conseguir. Se esses dados de comportamento e de audiência estão dentro da agência, o planejamento e a criação vão achar ali um caminho que talvez os outros não achem. A divisão é prejudicial, e esse é um dos grandes problemas hoje da indústria americana e inglesa. Lá a criação está criando em cima de formatos pré-estabelecidos e de uma compra feita anteriormente. Não há ligação entre o insight de consumo e o planejamento e a criação. Vão começar a aparecer clientes, marcas e agências dispostos a trabalhar tudo junto.
Fernando Meirelles, diretor da O2 Filmes — Uma pergunta do tipo que se faz em concurso de miss: se você tivesse o poder de financiar alguma grande transformação no Brasil, tipo um investimento à la Bill Gates, em que área colocaria essa munição, como e por quê?
Serpa — Em educação, porque é a única maneira de a gente ter um futuro. Presente não teremos. Nos últimos dez anos, todo o movimento econômico foi para dar geladeiras e televisões para as pessoas. Se eu fosse colocar hoje meu dinheiro, tanto como um Bill Gates, a fundo perdido, ou como investidor, colocaria em educação. É a única possibilidade — é só olhar a Coreia, a China, o Japão. Mas eu acho que o dinheiro do Bill Gates não bastaria no Brasil.
Rita Almeida, sócia-fundadora da COR — Se você tivesse 30 anos e fosse fazer uma agência do zero, como ela seria? Seria uma agência de propaganda?
Serpa — Eu voltaria para a minha base, para a minha origem, e faria uma agência de design, que fosse extremamente boa em digital. Mas isso sou eu, com meu sonho, olhando para trás e pensando no que faria hoje, se fosse começar novamente, como pessoa física. Não digo que isso seja o segredo do sucesso, nem que o cara que hoje fizesse design com digital daria certo — não, provavelmente não daria. As relações que estão estabelecidas hoje são muito ruins para quem está começando um negócio novo. Não existe uma segurança econômica nas relações entre anunciantes e agências, de quais setores forem. Não são saudáveis para suportar a vontade de um iniciante fazer um trabalho de ponta. O Brasil tem talentos maravilhosos nesse setor, mas eu não vejo agências de design no Brasil sendo remuneradas da mesma maneira que clientes brasileiros remuneram agências de design inglesas. Aqui é muito barato, assim como no digital. Nós temos aqui talentos tão bons, ou até melhores, que muitas agências que recebem fortunas porque têm pedigree anglo-saxão. Na propaganda é o contrário, a gente tem esse reconhecimento, pois temos cases que fizeram acontecer em outra época. Não acho que o ambiente hoje seja propício para isso, mas o talento sempre ganha.
Fabiana Serpa, filha e diretora da Paranoid — Se você tivesse se formando na escola hoje e pudesse escolher qualquer carreira, qual seria?
Serpa — Com certeza, nada muito diferente do que eu faço. Eu gosto muito do processo criativo. Arquitetura não seria, porque os projetos são muito longos, e eu sou muito neurótico para suportar esse tempo todo. Eu estudei design, mas saí do design porque eu achava que levava muito tempo para criar uma marca e fazer um manual de uso. Podia levar um ano e meio, mesmo que o processo criativo de criação da marca levasse meia hora. Em propaganda é diferente, você cria uma campanha hoje e depois tem outra. Às vezes, você faz quatro ao mesmo tempo. E tem de sair já, tem de produzir agora. Essa neurose, esse ciclo rápido de criação me faz muito bem. Eu gosto de desenhar e de pintar, mas pinto um quadro e já estou pensando em outro. Se eu fosse purista e pudesse viver de brisa, talvez eu fosse artista plástico. Ia voltar e entrar na Academia de Belas Artes em Munique, que eu não fiz na época, porque queria esse nervosismo, essa arte aplicada que a gente faz hoje. Eu voltaria para a arte pura, mas isso, depois de ter vivido o que eu vivi. Aí seria um ciclo novo. Sou um pintor diletante, como sou um surfista diletante, mas me divirto. Para mim, o principal nessa profissão, e também no hobby, é se divertir, porque se não se divertir não vale a pena.
Confira as respostas de Marcello Serpa para algumas das perguntas desta entrevista especial no vídeo da TV Meio & Mensagem.
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