Pagando sem pagar

Excelente texto sobre compra, desejo, valor, psicologia do consumidor e varejo.
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Se pagamos antecipadamente por algo, desfrutamos daquilo como se fosse de graça. Ao colocarmos a mão na carteira depois, sofremos mais ao consumir
No meio de uma viagem de táxi, o passageiro, no banco de trás, não consegue prestar atenção na paisagem. O taxímetro, que informa a cada momento que o preço da corrida está subindo, é uma tortura lenta que tira o prazer da corrida. Mas se ele usasse um aplicativo, sabendo antecipadamente quanto iria pagar, desfrutaria mais da viagem, mesmo se o valor fosse o mesmo. Qual a razão?
Toda compra envolve um conflito. De um lado, existe o prazer de consumir; do outro, a dor de pagar a conta. Essa dor é um mecanismo importante para não sairmos por aí comprando tudo o que dá vontade. O cérebro separa o dinheiro em diferentes “contas correntes” mentais, que revisa a cada gasto para não ficarmos sem dinheiro. A dor de gastar nos impede de ser esbanjadores. Mas isso tem um preço: acabamos sem aquele celular legal, uma cafeteira nova ou qualquer outra coisa que desejarmos.
Mas digamos que você quer muito comprar alguma coisa. Seu cérebro então cria truques para você consumir sem a dor de gastar. Uma delas é tratar como grátis aquilo pelo qual já pagamos. É o que indica um estudo de Drazen Prelec, professor do MIT, e George Loewenstein, da Universidade Carnegie Mellon. Pagar antes nos leva a desfrutar muito mais do que foi comprado, livres da preocupação quanto ao gasto. Não abrimos mão da avaliação interna, que continua ativa, mas adotamos uma “contabilidade prospectiva”, dando mais atenção aos benefícios da compra do que à despesa em si.
Por exemplo: alguém que compra um carro usado financiado em 60 meses, pagando uma prestação de R$ 1 mil, e usa pouco o veículo vai sofrer mês a mês com a lembrança de que o dinheiro não está sendo aproveitado. Se decidir quitar a dívida, sentirá dor ao pagar tudo de uma vez, mas ela também sentirá alívio. Afinal, livrou-se de uma preocupação imensa e agora usa o carro como quer.
A fim de demonstrar isso, os dois pesquisadores realizaram um teste com 91 visitantes do Jardim Botânico da cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Eles deviam decidir se preferiam pagar um cruzeiro pelo Caribe, em seis parcelas, antes ou depois da viagem. Depois, apresentaram a mesma escolha para a compra de uma lava-roupa. Tanto a viagem como a lavadora custavam US$ 1.200.
Em relação à viagem, 60% optaram por pagar antes e viajar depois. Mas, no caso da lavadora, 84% preferiram só quitar a primeira parcela após a entrega. A razão é que, no primeiro caso, havia um prazer envolvido: fazer um cruzeiro. Ao decidirem pagar antecipadamente, os participantes decidiram desfrutar da viagem sem preocupação com o preço. É como se viajassem de graça. Já usar uma máquina de lavar não é lá muito divertido, e as pessoas preferiram a vantagem financeira de adiar o pagamento — para poder juntar dinheiro para a primeira prestação, por exemplo.
Mas faz diferença como estamos pagando, apontou a segunda parte do estudo. Ao pagarmos antes, à vista ou no débito, por algo que queremos, como uma roupa, a dor do gasto é menor por causa da ideia de que vamos usá-la no futuro. A compra no cartão de crédito pode até dar a sensação de não haver custo, mas essa alegria acaba na data do pagamento. Quando chega a fatura, ficamos mais irritados com o gasto do que com o ato da compra, já que muitos se sentem pagando por nada.

Um terceiro ponto diz respeito a como preferimos pagar por alguns serviços, como a internet ou o Netflix. Se optássemos por pagar apenas pelo que consumimos, a conta provavelmente ficaria menor. Se você não estiver com muita fome, isso também vale para o bufê a preço fixo no restaurante ou mesmo os serviços all inclusive nos hotéis. Mas ainda que pagando mais, optamos por um valor único para nos livramos da dor, que poderia tirar o prazer da experiência.
Ao contrário da crença de que todo mundo adora um crediário, concluem os pesquisadores, não gostamos de ficar endividados. Numa compra, é preciso, porém, estar sempre atento, já que, como diz aquela máxima famosa entre economistas, não existe almoço grátis. Nem mesmo quando sentimos que já pagamos por ele.

por Samy Dana

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